Carta de Aveiro

No final dos trabalhos do V Congresso Internacional em Estudos Culturais: Género, Direitos Humanos e Ativismos, realizado na Universidade de Aveiro nos dias 07, 08 e 09 de setembro de 2016, como resultado de um esforço coletivo das pessoas participantes nas tertúlias, e sistematizado em sessão plenária específica, foi lida e aprovada a Carta de Aveiro, às 17h30 do dia 9 de setembro no Anfiteatro do Edifício 3 da Universidade de Aveiro. Aí foram enunciados um conjunto de princípios, com o objectivo de assinalar o momento de encontros e debates ocorridos neste forum científico, registando-se os tópicos considerados de maior urgência e relevância.

Pretende-se que este documento seja amplamente divulgado junto da sociedade em geral e dos decisores públicos nacionais e internacionais em particular, de maneira a contribuir para o enriquecimento da reflexão sobre as questões de género e para a conquista e consolidação de direitos nesta área. Dada a multiplicidade de origens e lugares de ennciação dos autores e das pessoas para as quais as questões de género são prementes e fundamentais, este documento coletivo aponta as linhas gerais do debate, tal qual ele se apresentou neste congresso, não pretendendo porém ser exaustivo ou definitivo, e menos ainda programático ou normativo. Neste documento, procurou-se sintetizar em tópicos as principais ideias recolhidas nas tertúlias do congresso, de modo a enunciar de forma breve e sucinta, embora o mais completa possível, as contribuições apresentadas.

Trata-se de um documento de autoria coletiva, que busca reunir as principais ideias, consensuais ou não, trazidas ao debate ao longo do evento.

Foram elas as seguintes:

• Não se pode dissociar as questões de género e raça das lutas pelos direitos humanos, combatendo o binarismo e os esterótipos de género que naturalizam preconceitos e violências;

• É preciso promover novos conhecimentos sobre a violência de género aplicada aos corpos, às identidades agredidas em função dos corpos, da estética não considerada normativa, com especial atenção aos corpos obesos masculinos, femininos, cis e trans, binários ou não binários;

• É fundamental pensar as questões de género, levando em conta as interseccionalidades, bem como refletir sobre a intersecção entre género, raça, classe, orientação sexual, idade e todas as sobreposições de discriminações;

• A multiplicidade de estudos e experiências deve ser valorizada, para que as diferentes realidades e formas de opressão e resistência possam enriquecer as reflexões e práticas de resistência;

• É fundamental criar, manter e reconhecer os espaços de resistência contra a normatização, a não laicidade, a LGBTfobia, o machismo e o racismo e toda a opressão de género sistematicamente institucionalizada;

• É preciso trabalhar para tornar possível o empoderamento das pessoas cujas vozes se encontram marginalizadas e abafadas pela centralidade heterocisbranca;

• É fundamental alcançar a paridade entre pessoas de todas as identidades de género, nas instâncias legislativas do poder (Congresso Nacional, Assembleia da República e equivalentes em cada país);

• É fundamental um investimento em estratégias de formação que proporcionem o processo de autoreflexividade em relação às opressões que se vivenciam na vida cotidiana em relação às práticas de violência e de discriminação;

• Os processos educativos são fundamentais para a desconstrução de preconceitos e estereótipos de género e ocupam um papel central na construção das resistências;

• A escola deve ser um lugar de resistência e de descontrução da normatividade de género e sexualidade e aos professores precisa ser garantida a autonomia, para uma prática pedagógica crítica e transformadora;

• É fundamental que sejam ampliadas, aprofundadas e divulgadas as pesquisas sobre género e sexualidade na infância, como forma de desnaturalizar relações de poder e o pensamento excludente, do qual faze parte o binarismo e as assimetrias de poder;

• É preciso desnaturalizar a ideia de que as mulheres cis ou trans não são capazes e nem se interessam pelas chamadas ciências duras, combatendo-esta ideia com políticas educativas que garantam a literacia científica para todas as mulheres;

• É preciso que o discurso das bases dos movimentos sociais seja fortalecido, empoderado e ouvido pela academia, para diminuir a distância historicamente constuída entre ambos;

• É necessário desfragmentar as estratégias de luta, para que se possa atuar com mais energia sobre as opressões que se manifestam em espaços como a escola e a universidade;

• As discussões teóricas e políticas das questões de género precisam ser vistas a partir da perspectiva das epistemologias do Sul, como forma de combater o centralismo epistemológico do Norte. É preciso passar a dizer que as questões que “norteiam” o pensamento vêm do “Sul”, das bases. Elas devem “sulgar” os pontos de discussão;

• As instituições, sobretudo, as universidades devem ser ativas no encaminhamento das denúncias de violência sexual, de género e de assédio moral e sexual;

• É fundamental que sejam novamente levantados e aprofundados os debates sobre a seropositividade e as formas de governar os corpos por meio da medicalização e do exercício do biopoder sobre esses corpos;

• É fundamental que se atente às potencialidades das práticas sexuais não normativas como forma de questionamento e resistência às políticas higienistas de saúde e educação para a sexualidade de pessoas adultas;

• As políticas públicas devem ter em conta as identidade de género e garantir que o respeito a cada uma delas seja visto como um direito amplo e universal;

• É imprescindível assegurar o direito ao uso do nome social, reconhecendo nele uma garantia de respeito à dignidade, uma vez que o seu uso traduz a forma com uma pessoa se vê, como quer ser reconhecida e tratada nos ambientes de convívio social;

• É fundamental que os profissionais de segurança pública designados para trabalhar em serviços especiais de atendimento de mulheres (no Brasil DEAM’S) não se restrinjam às mulheres cisgénero; no caso de Portugal, é urgente que sejam criadas postos policiais especiais para atendimento a mulheres cis ou transgénero vítimas de violência;

• Em todos os países, é fundamental que esses postos policiais tenham condições adequadas e profissionais com a qualificação necessária para o atendimento das vítimas e que às mulheres transgénero sejam reconhecidos os mesmos direitos que às mulheres cis e que elas sejam recebidas e tratadas com a mesma atenção e dignidade;

• Propõe-se a adoção de metodologias alternativas junto às ativistas dos coletivos de mulheres no combate à violência contra as mulheres cis ou transgénero (doméstica, estatal e não estatal), considerando as suas identidades, interseccionalidades e representações;

• É fundamental a utilização de estratégias de educação formal e principalmente não formal em Direitos Humanos, com inserção da arte e da cultura nas intervenções, considerando os movimentos de base e ativismos em cada segmento;

• É necessário visibilizar e reconhecer o trabalho feminino em profissões dominadas pelos homens e combater a ideia de que o trabalho das mulheres é a continuação do trabalho doméstico, bem como combater as assimetrias de direitos trabalhistas sofridas pelas mulheres cis e trans no mundo do trabalho em geral, e em todas as atividades laborais;

• É fundamental romper os estereótipos marcados pela diferença que constrói uma identidade legitimada nos corpos, ou seja, desconstruir a padronização dos corpos e a violência simbólica ao corpo feminino cis ou transgénero;

• É fundamental e urgente combater todas as formas de tráfico, escravidão e exploração sexual de pessoas cis e trangénero, adultas, adolescentes ou crianças;

• É fundamental e urgente que se atente para as questões em torno da discussão sobre prostituição e sobre trabalhos sexuais, procurando ouvir as vozes das pessoas diretamente envolvidas, de modo a abrir caminho para as garantias dos seus direitos a partir das suas próprias leituras da situação em que vivem e das suas reivindicações;

• É imprescindível desvelar as histórias dos Quilombolas no Brasil, suas influências na cultura brasileira, além disso, empoderar os povos Quilombolas na conquista dos seus direitos de género numa perspectiva interseccional que considere as características específicas dessas lutas para esses povos.

Aveiro, 9 de Setembro de 2016
V Congresso Internacional em Estudos Culturais: Género, Direitos Humanos e Ativismos

Entidades Parceiras

Coletiva Vulva da Vovó
GrETUA – Grupo Experimental de Teatro da Universidade de Aveiro
ILGA Portugal – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero
Movimento Democrático de Mulheres (MDM)
Escola de Teatro e Dança da UFPA
Universidade Federal do Pará - UFPA

Entidades Organizadoras

Irenne - Associação de Investigação, Prevenção e Combate a Violência e Exclusão
CLLC - Centro de Línguas, Literaturas e Culturas
CECS - Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade
Programa Doutoral em Estudos Culturais

Companhia Aérea Oficial

TAP Portugal